BAIRRO REDINHA, SEUS PROBLEMAS E UM POUCO DA HISTÓRIA DA REGIÃO.
Na Redinha, a falta de pavimentação e de drenagem nas ruas do bairros, causam problemas de alagamentos, que dificultam o trânsito
Quem observa o bairro da Redinha de cima da ponte Newton Navarro - situado parte na zona Norte de Natal e outra em Extremoz – cercado por dunas e mar de águas quentes, não imagina a sensação de insegurança dos moradores e veranistas do local. Paralela à questão da falta de segurança, a ausência de infraestrutura é notada desde iluminação pública escassa em avenidas principais, até a insuficiência de saneamento básico. Reflexo dos problemas, a desvalorização imobiliária torna ainda mais rara a presença de pessoas no local durante a baixa e até a alta estação.
O presidente da Sindicato de Habitação do RN (Secovi-RN), Renato Gomes Netto, analisa que a estagnação imobiliária da região é visível. Segundo Renato, existia uma perceptiva do setor que com a inauguração da Ponte Newton Navarro, possibilitando a facilidade de acessos à Redinha, houvesse uma expansão dos negócios na região, o que não aconteceu. A falta de investimentos pelo poder público na região concomitante à crise econômica são os fatores apontados pelo presidente do Secovi para a desvalorização da região. “Falta por parte do poder público um maior investimento na estrutura de trânsito, iluminação, segurança, que é latente em todos os locais da capital, mas aquela região sofreu mais. Saneamento e drenagem, que também são importantes, quase não existem. Esses dias passei pela avenida Litorânea, que corta a Redinha, e observei diversas casas para alugar ou vender. Falta um programa de incentivo para ocupar, como moradia e área de interesse turístico”, disse Renato Gomes.
A Redinha Nova, que pertence ao município de Extremoz, possui aspecto fantasma. Pouca gente circula pelas ruas sem calçadas e a maioria não é pavimentada. Em cada via, é possível encontrar terreno sujo e sem demarcação alguma. O cenário é completado por cavalos e toda ordem de animais passeiam pelas ruas que levam nomes de peixes e praias do Rio Grande do Norte. Segundo os moradores, também há problemas de iluminação pública. Por isso, eles mesmos colocam as lâmpadas nos postes.
Este texto integra uma ampla matéria jornalística sobre a história da praia e bairro da Redinha Velha, que será dividida em 10 partes. A reportagem foi premiada no edital Auxílio à Publicação de Livros, Revistas e Reportagens Culturais, na categoria Reportagens Culturais. Tem recursos da Lei Aldir Blanc, e patrocínio do Governo do Estado do Rio Grande do Norte através da Fundação José Augusto, e Governo Federal através da Secretaria Especial da Cultura e do Ministério do Turismo.
“A verdade fica mais verdadeira quando exposta com uma razoável dose de fantasia”. A frase foi usada pelo diretor de redação da extinta revista O Cruzeiro, Accioly Neto, para resumir a preocupação com a veracidade do que era retratado em suas matérias. E serve também ao enfoque dado a esta reportagem. Não para desmerecer a veracidade da pesquisa, mas de dar ao texto um floreio poético. É que a Redinha é mistura de uma dura realidade com a poesia de sua gente e de suas paisagens.
Os segredos que revestem os chãos seculares da Redinha e pintam de um azul cinzento seu mar – palco de memoráveis embates navais no Brasil Colônia – parecem se resumir no cotidiano de seus pescadores artesãos ou na áurea pacata da praia, como se uma população ribeirinha fosse. Os olhares cansados de seus nativos denunciam o provincianismo característico da praia. Os veranistas, embora sazonais, fazem parte de uma tradição quase secular, quando nos idos de 1920 algumas famílias aportaram na praia e iniciaram novo ciclo na história do lugar.
Os documentos oficiais e não-oficiais procuram explicar, à luz da história, os fatos que aconteceram naquela praia: registros em jornais antigos, crônicas, documentos traslados, fotografias, livros… Mas, salvo os olhares poéticos do jornalista e cronista Vicente Serejo e do escritor e artista plástico Newton Navarro em suas crônicas sobre a Redinha, e de documentos coletados por João Alfredo, pouco se encontra, em insistente trabalho de pesquisa, que retratasse as belezas da Redinha lírica de outrora.
Muito dessa história foi baseada na sabedoria e conhecimento do historiador Luís da Câmara Cascudo. Porém, uma das características do bairro da velha Redinha, assim como nos sertões de Cascudo, são as histórias de seus moradores. Lá, a oficialidade dos registros documentais cede espaço à existência de outras vozes e lados. O não-documentado, o contido no contado, o encontro entre o cotidiano e a história não permite que os caminhos do passado sejam talhados pelo que os documentos oficiais registram. A memória coletiva dos nativos da Redinha é demasiado rica. E, mesmo que seus relatos distribuam ao universo histórias desencontradas, prejudicadas pelo tempo manso daquelas vielas ou pela memória defasada pelos anos, elas possuem muito do folclore do lugar.
A maioria dos registros escritos encontrados sobre a Redinha antiga são parágrafos curtos, espremidos dentro de uma contextualização outra, mais abrangente, como a história de Natal. Para montar o quebra-cabeça dos acontecimentos que fizeram da Redinha o que ela se mostra hoje, foi preciso um mergulho na história dos primeiros capitães-mores da Capitania do nosso Rio Grande.
À dificuldade de coleta de registros completos sobre a praia se somou outro obstáculo: os primeiros veranistas aportam na Redinha no início da década de 1920. As fontes testemunhais estavam, portanto, descartadas, uma vez que seriam pelo menos centenários e, se vivos, provavelmente estariam com memória ou condições de saúde precárias para desenterrar detalhes sobre aquele início de progresso no então porto de pescaria.
Dos registros de Cascudo e das pesquisas em jornais emergiu o relato do procurador carioca radicado em Natal, Gil Soares, sobre os primeiros veranistas que atravessaram o Rio Doce e chegaram, sob a luz de candeeiros, na Redinha. O desenrolar dessa história foram os descendentes dos primeiros veranistas quem contaram. Causos, personagens folclóricos, manias e tradições apareceram de súbito na história da praia. Tudo guardado na memória coletiva dos moradores e veranistas, sem que nada fosse registrado em papel e caneta. Acontecências que retratam muito da magia do lugar; costumes simples, mas não simplórios; valores perpetrados entre décadas, valiosos sob qualquer égide moral ou jurídica; “manias” do povo da Redinha.
Dos pescadores da Redinha – personagens principais e tão anônimos – emanou a aura do lugar. Os depoimentos relatados foram espontâneos, ditos em meio ao trabalho, com certa pressa. Pela quantidade das reclamações e desesperanças contadas, pôde-se estabelecer um perfil da atividade pesqueira e de seu artesão. E não foi baseado apenas no contado por estes conquistadores de peixe o retrato dos pescadores da Redinha. Suas esposas, filhos, veranistas, comerciantes e pescadores aposentados ou em fins de atividade, como Santino e Chiquinho, ajudaram a emoldurar a principal atividade da praia e a retratar a própria Redinha.
Descobrir o enigma da praia da Redinha é voltar no tempo e viver o presente; é renegar o futuro. É ser um pouco antropólogo e perceber o significado do tempo e do homem. Para entender a Redinha, é preciso ter algum tino de pescador; entender a relação homem e peixe; é gostar de mar e detestar modismos, mesmo sendo chamado de careta. Para ser um “redinheiro” precisa ser “boa praça” e ter respeito para com os mais simples. É gostar de futebol e, de preferência, de uma cerveja com paçoca ou ginga-com-tapioca. Para quem já conhece a Redinha, em seus mistérios de funduras abissais, sabe reconhecer o limite tênue que existe entre o mar e a poesia.
Este texto integra uma ampla matéria jornalística sobre a história da praia e bairro da Redinha Velha, que será dividida em 10 partes. A reportagem foi premiada no edital Auxílio à Publicação de Livros, Revistas e Reportagens Culturais, na categoria Reportagens Culturais. Tem recursos da Lei Aldir Blanc, e patrocínio do Governo do Estado do Rio Grande do Norte através da Fundação José Augusto, e Governo Federal através da Secretaria Especial da Cultura e do Ministério do Turismo.
Uma frota de caravelas avançava pela margem esquerda do rio Potengi, nas imediações de onde hoje é a praia da Redinha. Das embarcações, corsários franceses avistavam o cotidiano indígena na costa norte-rio-grandense naquele início de século 16. Dezenas de milhares de índios Potiguara que habitavam a proximidade daquele litoral e as ribeiras dos rios fabricavam suas canoas e apetrechos de pesca. Algumas mulheres teciam fios para confeccionar as redes onde dormiam. Outras cuidavam da colheita, da caça ou moldavam o barro para fazer panelas e potes.
A tribo dos Potiguara não desconfiava que a presença francesa que avançava por aqueles mares mudaria a cultura e as crenças de seu povo para sempre.
Antes dos franceses desembarcarem nas areias alvas do litoral potiguar, espanhóis haviam navegado pela região, sem pisar em terra firme. O atual Rio Grande do Norte foi, possivelmente, um dos primeiros pontos visitados do litoral brasileiro, anterior ao “descobrimento” oficial do Brasil por Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500. Portanto, espanhóis já conheciam a terra e a gente da costa norte-rio-grandense.
Diante desses fatos históricos, é possível que os índios Potiguara que habitavam a pacata praia da Redinha tenham visto pela primeira vez uma embarcação espanhola, ao longe no horizonte marítimo. Em seguida, a chegada das caravelas francesas. E só depois, a bandeira portuguesa, em 1535, que desembarcaria de vez no Rio Grande em 1597, até a invasão holandesa, 36 anos depois.
Para que o empreendimento colonizador português obtivesse sucesso em sua terceira tentativa, foram expedidas as cartas régias de 1596 e 1597, dirigidas ao Governador Geral Dom Francisco de Souza, e aos capitães-mores de Pernambuco e Paraíba. As recomendações eram para que fosse gasto o necessário para o êxito da expedição e que, após a vitória sobre franceses e índios, fundasse uma povoação e se construísse uma fortaleza para sua defesa.
O que poucos pesquisadores relatam e coube à ata diurna de Cascudo datada de 1 de fevereiro de 1942 registrar é que o Forte dos Reis Magos não foi o único construído para defesa do território potiguar. Houve “Casas Fortes” mandadas construir pelo Governo Geral para garantir o trânsito regular pelas estradas que os índios depredavam. Essas Casas Fortes foram construídas em Tamatanduba, Cunhaú, Goiana (Goianinha), Mopibú, Potengi, Utinga e São Miguel (Extremoz). Eram construções rudimentares que logo foram destruídas pelos invasores.
Mas no século 19, com ameaças mais sérias, sobretudo por Portugal apoiar a Grã-Bretanha, rival da França de Napoleão, foram construídos “fortins” para defesa mais respeitável daquelas terras. E entre as quatro edificações, estava uma situada na Redinha, “cruzando fogos com o Forte dos Reis Magos, na entrada da barra do Rio Potengi”.
A pequena Povoação dos Reis daria origem a Natal, fundada em 25 de dezembro de 1599 onde hoje é a atual Praça André de Albuquerque, Largo da Matriz. Somente em 1611, após 12 anos do tratado de paz com os índios potiguara e a fundação da Povoação dos Reis, o território foi elevado à condição de Vila, ganhando uma primeira organização político-administrativa com 1 juiz, 1 vereador, 1 escrivão da Câmara e 1 procurador dos índios. Por volta de 1614, a denominação de Povoação dos Reis passou a ser substituída por cidade do Natal.
A partir daí, a área da colonização se alargaria crescentemente. Esse processo se daria com a concessão de vastas porções e terras pela Coroa portuguesa aos interessados em participarem do processo de colonização. A fundação da Redinha pode ser datada de 21 de fevereiro de 1614, quando suas áreas foram concedidas e mencionadas no auto de repartição das terras do sistema sesmarial.
Em sua coluna Acta Diurna, publicada no periódico A República, Cascudo mencionou, em 26 de janeiro de 1948, que as terras da Redinha foram dadas ao vigário Gaspar Gonçalves da Rocha, em 25 de junho de 1603 e depois passou a pertencer a Pero Vaz Pinto, escrivão da Fazenda na Capitania.
Nos escritos do folclorista, a constatação de que a Redinha, naquele início de século 17, era logradouro de importância, frequentado por “todos” os capitães e mantinha na pesca sua característica predominante: “Era dada como no porto de pescaria da outra banda do rio defronte a fortaleza, o qual porto possuiu até agora todos os capitães que aqui serviram. Tem redes de pescar em que pescam”.
Já a toponímia da Redinha, onde desembocava as águas do velho rio Doce, recebe algumas versões. Câmara Cascudo, em Nomes da Terra, relata que “Redinha” seria uma referência à região de Pombal-Leiria, em Portugal. Dos achados de Cascudo, consta ainda que havia a Redinha de fora, como local arruado à margem esquerda, vista de Natal, e a Redinha de dentro, foz do Rio Doce, também denominado Guajiru e rio da Redinha. Versões populares indicam a origem do nome Redinha como uma herança das terras doadas em sesmarias aos Capitães-mores para criação do Porto de Pesca, na área em frente ao Forte dos Reis Magos, como permanece até hoje. Todos os Capitães tinham rede de arrastão, daí, o batismo da praia de Redinha.
As informações sobre os trinta primeiros anos (1603 a 1633), após a concessão das terras da qual fazia parte a Redinha, ao vigário Gaspar Gonçalves da Rocha, são bastante precárias, mas atestam a lentidão com que se estabeleceu a concentração de colonos portugueses para o incremento de uma terra fraca para roçados e canaviais, com escassez de chuvas, mas adaptável à criação de gado, com abundância de peixes e caças, e farta produção de farinha, milho e frutas silvestres.
No entanto, durante esses 30 anos, ou mesmo nas décadas seguintes, a Redinha pouco se interessou pelo progresso. Cascudo afirma, na Acta Diurna publicada em 21 de janeiro de 1940, que “a nossa Redinha já está povoada, em 1633, de cabanas de pescadores”.
A localização privilegiada e estratégica para navegadores e corsários, a proximidade com a Fortaleza que resguardava o território, a abundância em pau-brasil nos arredores ou mesmo sendo a Redinha possível local para a taba do mais célebre dos indígenas nordestinos, Felipe Camarão, ou Potiguaçu, a praia se fazia calma.
Nos idos do século 18, Natal se mostrara uma Vila pouco visitada pelo progresso. Mas, mesmo com o processo de povoação demorado, Cascudo registrou em Acta Diurna publicada em 1948 uma transação de compra do “sítio da Redinha” já em 1731: “Num registro de doação concedida a Joana de Freitas da Fonseca (5 de junho de 1731), viúva do capitão Manuel Correia Pestana, diz-se que esta comprara à viúva Garcia do Rego o sítio chamado Redinha da outra banda da dita Redinha, até a Pajussara por cumprimento e do outeiro do Minhoto até o rio Guajeru”.
Dessas terras do outeiro do Minhoto, Cascudo nos traz ainda notícia dos proprietários mais antigos daquela região. Segundo ele, o outeiro (colina ou pequeno monte) do Minhoto lembra Antonio Gonçalo Minhoto, mencionado numa data de 24 de abril de 1666.
Este texto integra uma ampla matéria jornalística sobre a história da praia e bairro da Redinha Velha, que será dividida em 10 partes. A reportagem foi premiada no edital Auxílio à Publicação de Livros, Revistas e Reportagens Culturais, na categoria Reportagens Culturais. Tem recursos da Lei Aldir Blanc, e patrocínio do Governo do Estado do Rio Grande do Norte através da Fundação José Augusto, e Governo Federal através da Secretaria Especial da Cultura e do Ministério do Turismo.
Após os primeiros arrendatários e compradores do “sitio da Redinha”, ainda no século 18, um hiato se seguiu até os primeiros veranistas e entusiastas do lugar, décadas mais tarde, quando a Redinha se tornaria “praia de recreio”.
Segundo Cascudo, o bacharel Francisco Xavier Pereira de Brito (1818-1880) foi, possivelmente, um dos primeiros “enamorados” da praia, citado pelo então jornalista João Carlos Vanderlei como “Barão da Redinha”.
Em Acta Diurna de 21 de janeiro de 1940, Cascudo relata que “Durante o século XIX Redinha se tornou a praia indispensável à vida social da Cidade. O antigo porto de pescarias era ponto de atração e veraneio. O dr. Francisco Xavier Pereira de Brito, foi possivelmente, o descobridor elegante da Redinha. Chefe de Polícia, Diretor da Instrução Pública, sete vezes deputado-provincial, o dr. Brito enamorou-se da Redinha e popularizou-a entre os amigos. Construiu casa, cercada de latadas, fazendo festas que duravam cinco dias. João Carlos Vanderlei cognominou-o Barão da Redinha”.
Os apaixonados que se seguiram pela “praia bonita”, como cita Cascudo ainda nesta Acta Diurna, foram Antonio Francisco Areias, o médico Firmino José Doria, Ernesto Augusto Amorim do Vale (engenheiro que fez a planta do atual Palácio do Governo, da Torre da Matriz e do Cais da Alfândega), Vicente Ferreira Gomes, Jéferson Mirabeau e José Lourenço de Almeida.
A Redinha também envolveu Presidentes de Província. Benvenuto Augusto de Magalhães Taques, que governou quatro Províncias e foi Ministro, era decidido “redinheiro”, como cita Cascudo.
Em palavras despretensiosas, o folclorista descobre, ao citar outro burocrata admirador daquelas terras praianas, aquele que pode ter sido o precursor de uma das manias que, mais tarde, viria a ser uma tradição do lugar: as serestas:
“Lá administrava, em 1849, com os pés nus na areia úmida, estudando papéis Antonio Bernardo de Passos, de 1853 a 57, era outro fiel, comendo peixadas, ouvindo Lourival Açucena e despachando o expediente dentro dum rancho de palha. Vinha à Natal nos meses de inverno. Por muito favor…”.
Muito mais do que um seresteiro, Lourival Açucena (1827-1907) era figura prestigiada da província à época. Joaquim Eduvirges de Mello Açucena ganharia o apelido de Lourival quando representou, em 1853, o Capitão Lourival na peça O Desertor Francês. Era boêmio, sim, mas foi também juiz de paz, delegado de polícia, oficial de gabinete do Presidente da Província, ator e um dos primeiros poetas de que se tem notícia em Natal.
E foi ainda do século 18, que saiu o primeiro registro de versos apaixonados pela praia da Redinha. Sobre a autora, Cascudo assim a classificou e resumiu: “poetisa pobre e singela, mas afetuosa e gentil”.
Seu nome era Belisaria Maria da Silva Menezes (1844-1879). Suas quadras foram divulgadas pela primeira vez no jornal A República, em 26 de janeiro de 1939. Para o folclorista, a data dos versos remete a épocas anteriores à Guerra do Paraguai (1864 – 1870).
É esta a poesia que Cascudo opina como sendo “versos humildes que denunciam a impressão envolvente da natureza deslumbrante numa alma feminina de outrora, tímida, recatada, assustadiça, afeita à penumbra do lar”:
Vou cantar minha Redinha
Pois ela é sem igual,
Minha Redinha adorada
Por certo não tem rival.
Que campinas sedutoras!
Matizadas de mil flores,
Nela passeiam as ninfas
recordando seus amores…
O rio que rápido corre
suas aguas de cristal
Não há pintor que desenha
O rio do meu Natal!
Se vém nossas patricias
ao depois de suas danças,
Virem cantando e rindo
e soltando as negras tranças…
Que arvores! A’s tuas frondes
onde as aves cantar vão…
Que cantos ternos, saudosos
São hinos do coração!…
Viva enfim minha Redinha!
Redinha do meu Natal!
Viva seu rio e prata!
Suas aguas de cristal!
Viva também as choupanas
Prados, ares, bosques, flores!
Viva a bela Redinha
suas ninfas, seus cantores!
Este texto integra uma ampla matéria jornalística sobre a história da praia e bairro da Redinha Velha, que será dividida em 10 partes. A reportagem foi premiada no edital Auxílio à Publicação de Livros, Revistas e Reportagens Culturais, na categoria Reportagens Culturais. Tem recursos da Lei Aldir Blanc, e patrocínio do Governo do Estado do Rio Grande do Norte através da Fundação José Augusto, e Governo Federal através da Secretaria Especial da Cultura e do Ministério do Turismo.
Existem frases que beiram à redundância, mas que explicam o fato tal como ele é. O Cemitério dos Ingleses, localizado na Redinha, em frente à gamboa Manibu, é um cemitério morto. Há décadas perdeu sua função: dar sepultura aos “marinheiros” aqui falecidos.
O lugar poderia ser monumento tombado como patrimônio público por sua importância histórica. Mas, são poucos os que conhecem sua história e menos ainda os que sabem sua localização. Isso porque, hoje, nada resta da antiga necrópole. Alguns coqueiros continuam no lugar, como testemunhas vivas dos estrangeiros mortos, renegados pelos preceitos religiosos de outrora.
Não há data precisa sobre a edificação do Cemitério dos Ingleses, mas Cascudo restringe a abstração entre os anos de 1867 e 1869.
Até a construção do Cemitério Público do Alecrim, em 1855, ou mesmo do Cemitério dos Ingleses, entre os anos de 1867 e 1869, Natal desconhecia o que era cemitério. Enterrava-se o cadáver dentro das igrejas, ao redor delas ou do cruzeiro. A matriz de Nossa Senhora da Apresentação ergue-se sobre uma base de ossadas humanas, sepultadas durante séculos.
Da memória do historiador Lauro Pinto, transcrita em seu livro Natal Que Eu Vi (1971), o Cemitério dos Ingleses ganha mais descrição: “Está plantado em uma pequena elevação no ângulo entre o rio Potengi e a gamboa Manibu. O local foi bem escolhido, pois além de muito bonito, jamais será atingido por qualquer maré. Lindo, porque a vegetação ali está sempre verde e o local está cercado por quatorze coqueiros antigos. Beleza e silêncio. Poético chão para o sono eterno”.
O Cemitério dos Ingleses surgiu ante a intolerância religiosa. No cemitério Público do Alecrim, naquela segunda metade do século 19, só podiam ser enterrados católicos. Na época, o comércio importador e mesmo exportador eram feitos por barcos quase que exclusivamente estrangeiros. Embora nosso Porto fosse frequentado por dinamarqueses, holandeses, etc., os ingleses eram maioria. “Eram os embarcadiços que o povo chamava de ‘marinheiros’”, escreveu Lauro Pinto.
Ao chegarem a Natal de ontem, os estrangeiros encontraram clima adverso e eram mais facilmente vitimados pelas epidemias da época, como febres, impaludismo, tifo, etc. Muitos foram mortos e, por serem protestantes (anglicanos e calvinistas), não poderiam ser enterrados no cemitério do Alecrim, lugar de católicos.
Para suprir essa necessidade, foi construído o Cemitério dos Ingleses, na Redinha, onde os “capa-verdes”, como o povo apelidava os protestantes, passaram a ser sepultados.
Lauro Pinto aponta também outro fator possível para a construção do Cemitério: “Tenho para mim, e que também deve ter concorrido para a edificação do novo cemitério, seria a dificuldade de se fazer um sepultamento no Alecrim, tão longe e sem estrada razoável. Muito prático, e o inglês sempre foi homem que não gosta de perder tempo, e, mesmo lógico seria fazer no lado esquerdo do Potengi, tão perto dos vapores”.
Tarcísio Medeiros é mais preciso quando conta que, durante as epidemias ocorridas depois de 1860, já se encontrava estabelecida na Ribeira, com escritório na antiga Rua do Comércio (hoje Tavares de Lira), esquina com a Rua Chile, primeiro prédio à esquerda, a Firma Exportadora John Ulrich Graff e Cia., de suíços e ingleses. Muitos dos seus empregados morreram, e não podendo receber sepulturas nas igrejas ou no Cemitério do Alecrim, foram enterrados na Praia da Redinha. Por isso, a denominação de “Cemitério dos Ingleses”. “As ruínas dos túmulos atestam o fato”, ressaltou o historiador.
Sobre os “protestantes, luteranos clássicos”, da empresa Ulrich Graff, Cascudo afirmou que “esses rapazes morreram como moscas durante a febre amarela e o cólera-morbo. Povoaram o cemitério na margem esquerda do Potengi”.
A peste de cólera-morbo matou 2.563 pessoas na Província e 215 no Natal. Nesse período ainda não havia o Cemitério dos Ingleses. No ano seguinte, em 1860 “houve uma onda de bexigas, ocupando dois médicos apenas na capital”.
Para o Lauro Pinto ainda meninote, em 1919, o ingresso no Cemitério dos Ingleses era fácil, pois não havia nenhuma proteção de muro ou cerca. Dessas recordações de infância, o historiador lembra andar sobre as sepulturas que, embora danificadas, permitiam visualizar algumas inscrições.
Mais de 50 anos depois, Lauro Pinto revisitou o lugar, no início da década de 1970: “Estive recentemente no ‘Cemitério dos Ingleses’ fazendo uma visita sentimental e nada mais encontrei do antigo campo santo. Apenas depois de muito procurar descobri a quina de alvenaria de uma sepultura já encoberta de areia. Era tudo que restava. O seio do monte deve guardar ainda os restos materiais dos ‘marinheiros’. Encontrei, sim, no local, precisamente no lugar onde estavam as sepulturas, uma viçosa plantação de feijão-verde. Só os coqueiros em redor do que foi o cemitério, estão vivos. São as únicas testemunhas mudas de nossa maldade. Já que não soubemos zelar os túmulos dos embarcadiços estrangeiros que concorreram para o progresso de nossa terra, pedimos a Deus, neste momento, amparar suas almas”.
A situação de abandono do Cemitério dos Ingleses já era constatada por Câmara Cascudo 35 anos antes, no livro História da Cidade do Natal, em sua 3ª edição: “Em julho de 1935 visitei demoradamente o Cemitério dos Ingleses. Espalhara-se a lenda de ouro enterrado pelos holandeses. Os túmulos foram rebentados, brutalmente, revolvidos e dispersos os esqueletos. A ferocidade ávida destruiu tudo. A cupidez analfabeta e sacrílega nada respeitou. Apenas li, no transcepto duma cruz: – Whmr Eckett”.
Em 17 de setembro de 2005, este autor visitou o velho Cemitério dos Ingleses, onde mais nada se via. Os 14 coqueiros descritos por Lauro Pinto eram em torno de seis dezenas e, plantados ainda em um elevado de areia, formavam paisagem imponente, cercada de muito verde. O acesso ainda era fácil, mas desconhecido pela maioria. Logo após a entrada dos automóveis em direção à balsa da empresa Norte Mar Navegação e Turismo Ltda., havia um caminho estreito de areia, pelo lado direito. E logo se viam as dezenas de coqueiros. Ao lado, um barraco, muito lixo ao redor e quatro cachorros barulhentos. Era a morada do “pastorador” do lugar, Eliezer Nunes. Ele afirmou trabalhar com reciclagem de lixo e que pastorava o lugar a mando da firma Conami, ligada ao ramo de embarcações, proprietária do terreno onde descansa o Cemitério dos Ingleses.
Sobre a localização exata das covas antigas, Eliezer Nunes é enfático: “É aí em cima, mas você só vai ver uma escavação que não dá pra ver nada”. Ele estava certo. Não havia mais nada. Alguém mais curioso procurou alguma pista e fez uma escavação no ponto mais alto do monte. Lá havia apenas um tijolo amarelado e imóvel.
Apenas na frente do “Cemitério”, nas águas da gamboa Manibu, encontram-se resquícios do passado: duas baiteiras com dois pescadores em cada, a pescar com tainheiras de 80 braças, prática secular daquela praia de rio e mar.
***
Com mais alguns anos o século 20 aportaria na praia da Redinha. A Lagoa de Extremoz, o Rio Doce com as canoas ancoradas repousando em seu leito, assistiriam ao gradativo desenvolvimento da velha praia. Mas as alvas areias que circundavam o lugar ainda transmitiriam solidão e solidões por mais alguns anos.
Segundo o escritor Manuel Onofre Junior, até fins do século 19, os banhos de mar e temporadas de veraneio eram ignorados nas praias de Natal, as quais eram aproveitadas apenas pelos pescadores nativos. Nos fins da primeira década do século seguinte, iniciou-se o movimento de veranistas nas praias potiguares. Mas, o costume iria consolidar-se apenas na década de 1920, onde os coqueiros, imponentes, receberiam seus visitantes.
REDINHA VELHA: Início da ocupação e boemia (parte 5) - Papo Cultura fonte: Site papo Cultura
Este texto integra uma ampla matéria jornalística sobre a história da praia e bairro da Redinha Velha, que será dividida em 10 partes. A reportagem foi premiada no edital Auxílio à Publicação de Livros, Revistas e Reportagens Culturais, na categoria Reportagens Culturais. Tem recursos da Lei Aldir Blanc, e patrocínio do Governo do Estado do Rio Grande do Norte através da Fundação José Augusto, e Governo Federal através da Secretaria Especial da Cultura e do Ministério do Turismo.
Se de franco agradecimento sobre a história antiga da Redinha se deve reverências a Cascudo, do início da ocupação propriamente dita da praia, nas primeiras décadas do século 20, há o relato do advogado e magistrado Gil Soares de Araújo, que chegou a ocupar cargos de Promotor Público das comarcas de Martins (1935-1942) e Ceará-Mirim (1942), e foi deputado estadual entre os anos de 1935 e 1937. Aposentou-se como Juiz de Direito do Rio de Janeiro.
Em duas páginas inteiras do semanário O Poti, de 30 de outubro de 1988, o advogado conta detalhes da Redinha de ontem. Ele aponta a data de 22 de novembro de 1921 como de fundação “de fato” da Redinha como praia de veraneio, quando desembarcaram na praia “as cinco primeiras famílias de veranistas”.
No entanto, o jornalista e cronista Vicente Serejo lembra, em seu livro Cartas da Redinha, que o jornal “Gazeta do Comércio”, de 26 de fevereiro de 1902, publicou a seguinte notícia, sob o título “Passeio à Redinha”: “O ilustre tenente-coronel Jerônimo Câmara reuniu, domingo último, em sua residência temporária, no saudável e pitoresco arrebalde da Redinha, grande número de pessoas distintas de nossa sociedade, entre as quais o exmo. Dr. Alberto Maranhão (então Governador), Capitão Manoel Coelho, digno Inspetor da Alfândega, o nosso chefe de redação, major Pedro Avelino e muitos outros”.
As observações de Gil Soares também contradizem algumas palavras de Cascudo. O folclorista afirma que, durante o século 19, a Redinha já se tornara praia indispensável à vida social da Cidade. O dr. Brito (Barão da Redinha) popularizara a praia entre os amigos quando a descobriu, em meados do século 19.
No relato de Gil Soares publicado em O Poti, em 1921 a praia da Redinha possuía “somente” casas de palha, geralmente habitadas por pescadores e rendeiras. E havia também um grande armazém destinado a produtos agrícolas de Sandoval Capistrano e Jeremias Pinheiro, em atividade na região.
Gil Soares escreveu ainda nessa mesma publicação, que além das peixadas e dos cajus que acompanhavam os aperitivos, havia na Redinha de Dentro, “muito apreciada como local privilegiado no verão”, piqueniques e peixadas memoráveis promovidos pela família Brito, do “Barão da Redinha”, com participação de pessoas de destaque da sociedade natalense, inclusive presidentes de Província. “Seus famosos cajus acompanhavam os aperitivos, antes do banho no rio ou no mar. Era a generosa hospitalidade dos Brito”, completou.
As “peixadas memoráveis” e os “Presidentes de Província”, ou mesmo as casas de palha, também são citados por Cascudo, como partes do cenário da Redinha do século 19. No entanto, no relato a seguir, retirado da Acta Diurna de 26 de janeiro de 1939, Cascudo é claro ao dizer que o Presidente de Província Antônio Bernardo de Passos “vinha a Natal aos meses de inverno”, portanto, era um veranista, enfrentando na Redinha, inclusive, as pestes de varíola que assolavam a Província na época: “Redinha envolveu os presidentes da província. Benvenuto Augusto de Magalhães Taques, em 1849, depois ministro dos Negócios Estrangeiros, presidente de quadro da província, era um decidido ‘redinheiro’. Para lá mandava o expediente e governava com os pés nus na areia úmida, sonhando planos. Antonio Bernardo de Passos, presidente de 1853 a 57, era comilão e amigo de serenatas e peixes cozidos com pirão fervido e pimenta malagueta, ouvindo as modinhas de Lourival Açucena e despachando os papéis oficiais sem arredar pé do casebre de palha que mandara erguer. Da Redinha enfrentou a peste de varíola, dando ordens e dirigindo tudo, eficazmente. Vinha a Natal aos meses de inverno. Por muito favor”, relatou o folclorista.
Se algumas afirmações de Cascudo e Gil Soares estão desencontradas, a data de 22 de novembro de 1921 dita como “fundação” da Redinha como praia de veraneio, pode vir a ser uma data simbólica, para retratar uma época em que, realmente, houve um processo de ocupação mais concreto e sistematizado.
Itamar de Souza também acredita na proximidade da data ao afirmar que “o veraneio, como atividade de lazer, só começou a ser praticado regularmente no século 20. A elite de Natal começou a frequentar, primeiro, a praia de Areia Preta, depois, a praia do Meio e da Redinha. Esta última, por volta de 1920”.
E foi na manhã de 22 de novembro de 1921 que desembarcaram, no chamado porto-velho, nas vizinhanças do antigo e destroçado Cemitério dos Ingleses, as cinco primeiras famílias de veranistas, apontadas por Gil Soares.
São elas: dr. Paulo de Abreu, seu genro Boanerges Leitão, da firma Julius von Sohsten & Cia, posteriormente contador geral do Estado; Pedro Fonseca, tesoureiro do Correio-geral; José de Luna Freire, gerente da filial das Lojas Paulistas; e Lauro Medeiros, gerente da filial da Fábrica de Cigarros Lafayette, de Recife, mais tarde proprietário do cinema São Pedro, no Alecrim.
Este último era primo de Gil Soares e, para sorte de muitos pesquisadores da praia, o trouxe como hóspede, para que ele registrasse a simplicidade dos tempos antigos da Redinha. Todos ficaram a residir em casas de palha alugadas, exceto o dr. Paulo de Abreu, que foi ocupar a que mandara construir durante o ano.
Dr. Paulo Pinto de Abreu (1861-1947), apontado por Gil Soares como um dos primeiros veranistas “de fato” da Redinha, era baiano de Alagoinhas. Em 1907, ele chegou a Natal, onde se fixou definitivamente. Major-médico reformado do Exército, também prestou serviços ao antigo Batalhão de Segurança (Polícia Militar) e aos Hospitais São João de Deus (tuberculosos) e São Roque (variolosos). Durante 18 anos atendeu toda manhã, gratuitamente, as crianças levadas ao Instituto de Proteção e Assistência à Infância, dirigido pelo seu colega Varela Santiago. Os anúncios na imprensa, de sua clínica particular, traziam sempre, no final: “Consultas grátis aos pobres”.
Pela manhã, as famílias de veranistas seguiam para o trabalho no pequeno bote à vela do comerciante Augusto Barroca, retornando ao fim da tarde partindo do cais da Associação da Praticagem, no começo da atual rua Chile, banhados pelo pôr-do-sol do Potengi, que se multiplicava na calmaria do rio.
O único transporte regular entre a Redinha e a outra parte da cidade era subvencionado pelo Estado: a canoa do velho Piéca, que fazia a travessia daquele trecho do Potengi duas vezes ao dia. Pela manhã, a canoa levava lavadeiras para o trabalho no rio Doce e voltava à tarde. Ainda cedo, ela ia ao Passo da Pátria, levando populares que vendiam legumes no mercado da Cidade Alta, retornando depois, ao meio-dia.
O transporte dos botes e canoas pelo rio Potengi era o único meio de se chegar a Redinha naquele começo de século 20. Os veranistas e admiradores da praia bonita vinham como que guiados por um “misterioso chamamento”, como observou Newton Navarro. A rusticidade e singeleza das casas de palha somavam-se à rotina e costumes seculares de pescadores, aos peixes empilhados nos samburás, fisgados pela rede de tresmalhos: herança dos índios Potiguaras.
Natal nem bem iniciou seu processo de urbanização, com o charme dos bondes elétricos subindo da Ribeira à Cidade Alta, e as famílias da elite natalense já procuravam fugir da urbe. E o chamado misterioso da Redinha começava a ecoar pela Província. Em 1922, um novo grupo de veranistas chegava à praia. Dessa vez, coube ao professor e advogado Francisco Ivo Cavalcanti, conhecido como Mestre Ivo, coordenar a vinda dos novos visitantes.
Faziam parte do grupo o dr. Odilon Garcia Filho, agente do Loide Brasileiro; o médico Mário Lira, professor do Atheneu; os comerciantes Enéas e Manoel Reis; a viúva Julieta dos Reis Couto e filhos; e Francisco Nogueira da Costa (Nogueirinha), da firma Wharton Pedroza.
Aos poucos a Redinha, que passou 400 anos sem se preocupar com o progresso, ganhava vida social intensa e distanciava-se cada vez mais da paisagem bucólica que a retratou desde o século 15. A primeira transformação substancial da fisionomia da praia foi a substituição das casas de palha da linha de frente, onde habitavam pescadores e rendeiras, pelas residências de tijolo e taipa, já com o alpendre dos novos veranistas.
Por essa época, ainda no início da década de 1920, dos veranistas mais famosos, Barôncio Guerra (1882-1944) transferiria seu veraneio para a Redinha de Frente. Foi ele quem musicou a letra do hino a Nossa Senhora dos Navegantes, escrita pelo advogado Francisco Ivo.
Para Gil Soares, “pelo menos até 1934” não houve festa alguma que pudesse ser comparada à do Natal de 1924. Segundo ele, as embarcações trafegavam desde a tarde até de madrugada, trazendo e levando pessoas da Capital. No que chama de “grande descampado”, espalhavam-se barracas de quermesses, bem sortidas. Tudo muito concorrido e animado. A coordenação do programa esteve a cargo de Lídia, esposa do juiz de direito Francisco de Albuquerque, novo veranista.
Algumas das atrações da festa retratavam a Redinha de outrora: um local não só de atração turística e da elite natalense, mas também rica culturalmente, com manifestações culturais diversas. Na ocasião, foram reunidos moças e rapazes, com a orquestra de Tibiro (Joaquim de Sousa Freire, inspetor de alunos do Atheneu), para números de canto e recitativo. Promoveu jornadas do Pastoril e ainda conseguiu a exibição de Coco, orientado por Arari Brito.
Segundo Gil Soares, o ponto alto da programação foi uma espécie de “Desafio”, com um grupo feminino a representar a praia de Areia Preta e outro, a Redinha. Os versos do grupo de Areia Preta mostram, naqueles meados da década de 1920, a lenta evolução da Natal província, com o melhoramento gradativo da linha de transporte que ainda iria descer à praia, ou mesmo o deboche sobre a luz elétrica, que já iluminava aquele trecho litorâneo.
As palavras entoadas pelo grupo da Redinha retratam uma praia longe do progresso, como permanece até hoje, mas orgulhosa de seu mar e de sua cultura. Eis os versos:
AREIA PRETA: “(I) Nossa Areia Preta/ Tem encantos mil/ Como em parte alguma/ De todo Brasil/ Perto das areias/ No azul do mar/ À noite as sereias/ Vão ali cantar/ (II) Lá nós temos tudo/ Luz e sedução/ Quem andar ali/ Deixa o coração/ Seja melindrosa/ Seja almofadinha/ Não troco meus banhos/ Pelos da Redinha/ (III) Lá na Areia Preta/ Ao calor do sol/ Moças jogam tênis/ Moços futebol/ Vamos ter o bonde/ Ainda este ano/ Pois assim promete/ Seu Coriolano”.
REDINHA: “Aqui eu nasci/ Aqui me criei/ Melhor do que isto/ No mundo não sei/ Melhor que a Redinha – Ninguém acredita/ Quem isso afirmar/ Vai fazendo ‘fita’/ Aqui na Redinha/ É coisa supimpa/ Estamos bem perto/ Da praia da Limpa/ O banho é delícia/ É mesmo um colosso/ Vamos ter sereias/ Mas de carne e osso/ (III) Estrebilho: Não vale cidade/ Nem a Capital/ A praia é o encanto/ O nosso ideal/ Na Festa dos Reis/ Na Festa do Ano/ É bom camarada/ O velho oceano”.
Depois da missa de meia-noite, Gil Soares afirma que “o grande baile do Redinha Clube se prolongou até quase o amanhecer”.
Nos fins de 1926, a família do deputado Juvenal Lamartine não encontrou mais casa de tijolo ou taipa para veranear. É que, mesmo a Natal provinciana, com novidades despontando a cada ano, como a consolidação do sistema elétrico de energia ou as linhas de bondes a expandir-se pelos bairros recém-inaugurados, a Redinha já havia sido descoberta de vez pela sociedade natalense.
A família Lamartine, segundo Gil Soares, aceitou alugar uma casa de palha, na linha da frente. “E aquelas moças, tão bem educadas, filhas do já escolhido Presidente do Estado, eram louvadas por veranistas pela simplicidade e modéstia no ambiente praiano. O pequeno Oswaldo (Lamartine) divertia-se quase todas as tardes apanhando siris na maré”.
Ainda na década de 1920, um jornal manuscrito, O Farol, divulgava os acontecimentos sociais da praia e fazia merecidos elogios a moças e rapazes de muita distinção, ali veraneando.
A praia da Redinha sempre foi cortejada por intelectuais, boêmios e artistas, os quais viam em sua paisagem balneária, entre mangues de rios e mar aberto, um lugar mágico para inspiração e descanso. Quando visitava Natal, em 1929, o folclorista e escritor paulista Mário de Andrade, de passagem pela Redinha, encantado, disse no seu livro Aprendiz de Turista: “Oculta nessa monotonia de banda do mar, fica a Redinha, praia de verão, bairro em que ninguém sonha pela preguiça do pensamento que atravessa o rio com esse sol”.
O escritor Mário de Andrade foi convidado pelo mestre Cascudo a conhecer o folclore e a beleza do povo potiguar e ficou maravilhado com a travessia de barco, que saía do cais da rua Tavares de Lira até o trapiche, em frente ao hoje Mercado da Redinha. Naquela época, a travessia pelo rio Potengi era feita de barco à vela, e só dependia dos ventos e dos braços fortes do pescador que comandava a embarcação.
Em março de 1935, o advogado Gil Soares, que trouxe à Redinha da década de 1920, sem datas ou à Redinha desinformada, esquecida em seus fatos históricos, alguns acontecimentos que elucidaram o ambiente daquela praia de areias relaxadas, é nomeado promotor público, na Serra de Martins, onde nasceu. Abre-se, a partir daí, alguma lacuna nos detalhes do ontem, da Redinha da década de 1930.
Somente em 1938, através do prefeito Gentil Ferreira, a Praia da Redinha, “futurosa estância balneária”, como consta na Lei nº 603 de 1938, incorporava-se ao município de Natal. Ainda hoje, como bairro, é limitada a norte com o município de Extremoz; a sul, com o rio Potengi e manguezais; a leste com o Oceano Atlântico; e a oeste com a estrada de Jenipabu.
Nos idos de 1940, a Redinha assistiu de camarote aos avanços da Segunda Grande Guerra. Do estuário do Potengi, nas bandas do rio Doce, os veranistas e moradores se encantavam com os pousos constantes dos hidroaviões, nas proximidades da Rampa. Não era novidade a frequência de aeroplanos e aviões naquele trecho de rio. Nos idos de 1920, Natal já era importante rota de aviões comerciais. Mas, naqueles anos de 1940, a magia era acompanhar os equipamentos de guerra.
Pesquisador, testemunha ocular da Guerra e veranista da Redinha na época, Lenine Pinto relembra algumas passagens daqueles tempos: “Dezembro chegara e na praia da Ridinha quem não estava batendo ‘crown’, em direção à croa que se formava nas marés baixas, ficava nos alpendres para as brincadeiras de passar aliança, fazer adivinhações, decifrar charadas, cantar cantigas nos cavaquinhos. Ao cair da tarde, o pequeno mundo dos veranistas reunia-se na beira do rio à espera do último bote. Estavam assim, naquela tarde, apreciando o Palmyra que chegava bordejando para vencer o vento contrário, quando são despertados pelo anúncio de Mandioca, apontando o lado do oceano: ‘Navio de guerra! Olha lá um navio de guerra! Ao mesmo tempo aproava na boca da barra, com os canhões à mostra, um navio cinzento e garboso, ligeiro como os antigos ‘avisos’ da Latecoère. Deslizou pelo canal na direção do Refoles, enquanto seus alvos marinheiros, do tombadilho, trocavam acenos com as moças do grupo e com as que corriam de suas casas para saudar-lhes a passagem”.
A Redinha se confunde tanto com a história do Natal que, com o fim da Segunda Guerra, após os soldados americanos chacoalharem nossa província de cadeiras nas calçadas e deixarem uma áurea de eterna nostalgia na cidade, a praia da Redinha iniciou seu processo de decaída.
Se a Natal de 55 mil habitantes (Censo de 1940), ainda atordoada pelo abandono dos oficiais yankees, que trouxeram um pouco do mundo Hollywood para a cidade, vivia um clima de final de festa, a Redinha assistia seus veranistas rumarem para o sul, às praias de Ponta Negra e Pirangi. Até aquela data, a Redinha pareceu acompanhar, em ritmo similar, o avanço da cidade. Mas, a partir dali, começaria um gradativo processo de abandono.
Coincidência ou não, foi nessa época que, em 1952, a primeira estrada de barro, ligando Igapó a Redinha, era construída. O progresso – intruso indesejado da Redinha – chegava como penetra na casa dos veranistas daquela praia sempre esquecida pelo poder público, mas até então prestigiada pela elite natalense.
Segundo o cronista social Aderbal da França, em sua coluna no Diário de Natal de 5 de outubro de 1950, a Redinha possuía mais de 700 pessoas de residência fixa e umas 150 casas de veranistas. Mas, logo as praias do sul se mostraram mais convidativas.
A iniciativa da construção da estrada de barro foi do prefeito de Natal, Creso Bezerra. Mas, por falta de recursos, a prefeitura suspendeu os trabalhos. Surgiu, então, o veranista Humberto Teixeira, que, por vontade própria, recomeçou a obra, levando a estrada até a povoação da Redinha. É certo, todavia, que, como atesta reportagem publicada no Diário de Natal em 23 de novembro de 1958, ele foi ressarcido depois pela prefeitura. Em novembro de 1954, a referida estrada já era utilizada pelos veranistas.
E a nova estrada de barro estirava-se como tapete vermelho para receber os sintomas do urbanismo. Em 1960, a primeira linha de transporte coletivo do bairro, ligando Redinha a Rocas, foi inaugurada, e facilitou, 11 anos depois, em 1971, a construção da primeira escola: a Escola Municipal Nossa Senhora dos Navegantes, localizada, ainda neste novo século, na Rua do Cruzeiro. A implantação do primeiro posto de saúde só viria 12 anos mais tarde, em 1983.
Em 13 de janeiro de 1966, o Diário de Natal anuncia o fim daquela que representava muito do lirismo dos veraneios de antigamente: a travessia lenta, pelo Rio Potengi, dos botes, ou mesmo das lanchas: “Por iniciativa do prefeito de Natal, Almirante Tertius Rebelo, foi feita a ligação fluvial entre Natal e a praia da Redinha através de um sistema de balsas”, dizia a matéria.
Também em 1966 a nova Ponte de Igapó foi construída, para atender à demanda de automóveis para aquela região. A velha ponte de ferro, também chamada Ponte do Potengi, que teve sua construção iniciada em 1914 e inaugurada em 20 de abril de 1916 já estava superada. Sua função era a de permitir a passagem dos trens da Estrada de Ferro Central, facilitando o transporte entre a Capital e a região de Ceará-Mirim e Mato Grande, que até então só era possível transpondo-se o Rio Potengi por meio de embarcações.
Nessa época, estava no governo o monsenhor Walfredo Gurgel, entre os anos de 1966 e 1970. Parte da velha Ponte de Igapó ainda encontra-se firme ao lado da nova a ajudar a compor a memória histórica da cidade. Foi tombada pelo Estado em 30 de julho de 1992.
A pavimentação a paralelepípedo da estrada de Igapó-Redinha ficou a cargo do Departamento de Estradas e Rodagens (DER), numa extensão de 7,5 quilômetros. Foi inaugurada no dia 13 de março de 1975, ao custo de Cr$ 3 milhões.
Se por mais uma coincidência do destino ou por clareza de que a Redinha não aceita as pressas e nuanças de modernismos, a partir de meados de 1970 a praia ganha o atestado de esquecimento completo. Até mesmo a Festa do Caju, das mais tradicionais da praia, não aguentou a pressão dos costumes vindos da ‘cidade grande’ e, três anos mais tarde, em 1978, acabou.
Se antes de 1970, a Zona Norte de Natal era predominantemente rural, contando apenas com dois núcleos urbanos: Igapó e Redinha, com a estrada em paralelepípedo a região iniciou seu processo de crescimento desordenado. Afora esses dois bairros, o restante do espaço era formado por granjas, fazendas de gado e pequenos sítios. O processo de urbanização invadiu essa área da cidade e se tornou predominante.
Um emblema completo da Redinha daqueles meados de 1970 foi escrito pelo médico João Medeiros Filho – mais tarde, nome da principal avenida do lugar. A carta, endereçada ao vice-governador, almirante Tercius Rebelo, foi escrita em 28 de outubro de 1974, sob o título “Problemas da Redinha”:
“Gostaríamos que a autoridade responsável pela solução do problema se dispusesse a descer do automóvel e a tomar uma das lanchas que fazem o tráfego fluvial. De começo, levaria um banho forçado nas sobras da piscina improvisada pelos menores vadios que ali se banham nas águas poluídas, aos palavrões […]. No desembarque, na Praia, arrisca-se o passageiro a cair no Rio, tais as acrobacias que faz para atingir o trapiche nas marés baixas. Alguns moradores viajam até de sapatos à mão… Imagine-se esse quadro tendo como figurante um turista incauto, uma senhora de idade avançada…“.
O médico ameniza as reclamações e até elogia alguns benefícios concedidos à praia. Mas, segue a cobrar iniciativas do Governo e uma identidade maior à praia da Redinha. No final, o retrato do que ocorre até hoje: os próprios moradores e veranistas, saudosos do lugar, tentam suprir eles próprios as necessidades da praia.
“Relativamente à povoação, que tem aproximadamente 3 mil habitantes, inclusive a população flutuante, tem recebido muita ajuda do Governo: Posto de Saúde, luz elétrica, escolas, etc. sobre o abastecimento d’água, estamos informado de que foi elaborado e aprovado na CAERN o projeto respectivo, estando sua execução dependendo da liberação de verba pelo BNH”.
E completa:
“Falta ainda o saneamento básico, como se fez nas praias de Touros, Pititinga e Maracajaú; galerias nas zonas mais baixas próximas ao mar; farmácia e correio. Será muito que se pede? E, se não se pedir, implorar, suplicar, que é que se consegue, numa terra em que a iniciativa particular precede a iniciativa pública?”.
Outra reivindicação de João Medeiros Filho é a escassez de nomes nas ruas da Redinha: praia sem memória. Os nomes das ruas da praia são consagrados pelo povo: ruas do Cemitério, do Cruzeiro, do Cacete, dos Navegantes, do Maruim. Ou mesmo aproveitam os nomes de veranistas falecidos: José Aguinaldo, Sandoval Capistrano, Enéas Reis, Barôncio Guerra, Des. Antonio Soares e tantos outros. Bem como de antigos moradores: Manoel de “Rosinha”, seu Soares, Cutruco, Cícero Bucha…
A despeito de tudo, o médico entusiasta da Redinha deixa escapar, em carta reivindicatória, os encantos da praia. De mente positiva e esperança renovada com a passagem de paralelepípedos na estrada que levaria seu nome, João Medeiros Filho acreditava que o progresso viria dar boas novas à Redinha.
“A praia da Redinha, em nossa opinião, é um dos mais belos e aprazíveis recantos da orla marítima do Rio Grande do Norte. E agora, com a pavimentação da estrada em demanda de Igapó que se anuncia para breve, e, bem assim, com a terminação do trecho rodoviário Pajuçara-Águas Santos Reis, Redinha terá um surto de progresso extraordinário”.
No entanto, Medeiros Filho antecipou, também, os perigos que poderiam acompanhar esse processo:
“Claro é que nem sempre o progresso corresponde a uma melhoria das condições de vida do povo, contribuindo muitas vezes para agravar a situação pelo encarecimento do preço dos gêneros de primeira necessidade que se escoam com facilidade para os centros mais populosos. Esse fato, entretanto, que pode deter o progresso, exigirá, sem dúvida, outras providências acauteladoras do Governo”.
Os novos equipamentos urbanos que entraram em Natal, entre a década de 1970 e o ano 2000, também atingiram o desenvolvimento da Redinha. O descaso do Estado, tendo por consequência o fechamento de estabelecimentos que outrora atraíam turistas, foi causa principal. Até mesmo a Redinha Nova despontou como solução para a velha e abandonada praia, que tanto serviu de inspiração para escritores e poetas.
Em decorrência da expansão urbana ocorrida, sobretudo, nas décadas de 1980 e 1990, ergueram-se, na área da Redinha, os conjuntos habitacionais Redinha Nova, Niterói e Jardim das Flores. Além disso, muitas casas foram construídas por conta própria, sem alvará. Em 1991, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou a existência de 1.315 domicílios e uma população residente em torno de 6.581 pessoas.
As notícias trazidas pelos veranistas da Redinha, ao chegarem a Natal, não eram mais as mesmas de outrora, e as manchetes do Diário de Natal, durante o período, atestam o fato.
Em 19 de novembro de 1980, o Diário de Natal estampava em seu caderno: “Buracos e animais tornam perigoso acesso à Redinha”. Um dos maiores problemas enfrentados pela praia durante as décadas de 1980 e 1990: alagamento de ruas e casas e, principalmente, a insegurança foram mostrados no mesmo periódico de 27 de maio de 1984, com a seguinte manchete: “Redinha só vive bem no verão. No inverno, é o caos”. Em 12 de junho de 1987, o resultado do descaso do poder público, em outra manchete do Diário de Natal: “Redinha ainda aguarda providências do governo: a cada temporal, as ruas enchem de lama e ficam intransitáveis”.
Os títulos das matérias que se seguiram nos anos 1990 seguem a mesma linha: “Praia da Redinha é riscada do mapa: isso acontece todos os anos, após encerramento da temporada dos três meses de veraneio” (Diário de Natal – 6 de outubro de 1992). “Água invade casas de veraneio na Redinha” (Diário de Natal – 8 de junho de 1994). “Redinha: reduto de lama, água e lixo” (Diário de Natal – 7 de julho de 1995). “Praia da Redinha está ilhada” (Diário de Natal – 5 de agosto de 1998). “Redinha sofre com falta de cuidados” (Diário de Natal – 10 de janeiro de 1999).
Com a virada do século e o caos reinante na praia, sustentada apenas pela tradição e carinho inabalável de seus veranistas, a Redinha recebe alguma atenção do poder público. Mas isso ocorre apenas durante o ano de 2003, quando a praia ganharia, enfim, um projeto de urbanização planejado. Até lá, o velho Mercado assistiria um de seus piores momentos em quase 70 anos de história. Sob o título: “Barracas destruídas e mercado ameaçado na praia da Redinha”, o Diário de Natal de 23 de agosto de 2002, trazia em seu primeiro parágrafo o retrato da Redinha naquele início de século 21: “A impressão que se tem do visual do lado direito do Mercado da Redinha Velha, no sentido praia/mar é que passou um furacão e deixou parte das edificações em ruínas. As demais barracas de praia só estão em pé porque os proprietários colocaram uma proteção, feita de sacos de areia, para impedir o desmoronamento”.
No entanto, exato um ano após a matéria do Diário de Natal, o projeto de reurbanização da Redinha tem início, em 26 de agosto de 2003. Depois de um processo licitatório conturbado, a empresa MK Comércio e Construções Ltda vence a licitação. O valor apresentado foi R$ 1.805.000,00, dos quais R$ 700 mil foram pagos pela Prefeitura do Natal e o restante pelo Governo do Estado. A Secretaria Estadual de Infraestrutura foi a responsável pelo processo, desde o início, seguindo a Lei nº 8666, de licitações. Mas, uma denúncia do então presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte, Abelírio Rocha, em junho, tornou polêmico o andamento do projeto. Segundo ele, o edital de licitação “caracterizava intenção de favorecimento a determinadas empresas”. A liminar impetrada por Rocha foi a terceira deferida em primeira instância pelo Judiciário, desde o início de execução do projeto. Outras duas foram movidas pelas empresas concorrentes do processo de licitação, Ecocil e Aurimar, revogadas no Tribunal de Justiça.
Embora travadas lutas burocráticas e polêmicas nos bastidores do projeto de reurbanização, a obra começou dentro do prazo estabelecido. Após sete meses de trabalho, o prefeito Carlos Eduardo Alves e a governadora Wilma de Faria inauguravam uma nova Redinha em 4 de abril de 2004. Dentro da nova paisagem, a mesma Igreja de Pedra, com charme de mamute; a mesma capelinha incansável a mirar o oceano; o mesmo Redinha Clube, palco das memórias festivas de todos aqueles moradores heróicos e veranistas entusiasmados. Junto a eles, 22 novos quiosques de 9 metros quadrados, feitos de madeira e fibra, além de um galpão para pescadores trabalharem suas redes e peixes.
Um calçadão de 4.311m2 de pedras portuguesas, como nas praias do Meio e Ponta Negra, também foi construído. O problema para estacionamento de carros foi amenizado com 113 novas vagas, além de espaço para ônibus de linhas urbanas e turísticas, e abrigo para passageiros. Equipamentos para ginástica, 53 bancos de madeira e 38 novos postes para melhorar a iluminação e segurança foram espalhados pela área. Também foi melhorado o quebra-mar em forma de ponta, avançando sobre o oceano, construído para evitar que a maré volte a assorear o canal do Porto de Natal, escavado para permitir a entrada de navios de grande calado.
Apesar da melhora substancial em sua estética e aspecto, a Redinha não conseguiu retornar aos seus tempos áureos. A insegurança permaneceu como reclamação principal, sobretudo dos nativos. A tranquilidade costumeira dos tempos idos não existiu mais. Pescadores cobravam atenção, ajuda e recordavam saudosos os tresmalhos cheios de peixe. O Mercado Público – de fora do projeto de reurbanização – recebeu, tempos depois, uma melhora no local, após súplica de seus proprietários.
A Redinha virou bairro, urbanizou-se e se reurbanizou. E até hoje se arrepende. Mas, como fugir, se uma estrada seguiu o cheiro de sua brisa e, inebriada, caminhou até suas areias pintando de cinza seu caminho? Razão tinha o cronista Berilo Wanderley, ao dizer que “a Redinha deve continuar é sendo praia. E como ela, os jangadeiros, as casinhas escassas e os cobiçados cajueiros de dezembro”.
Devido a falta de saneamento e pavimentação, praticamente todas as ruas do bairro Redinha sofrem, a cada periodo de chuvas, muita lama nas ruas, se tornando intransitável, nos periodos de sol o problema é a proliferação de mosquitos.
Devido a falta de saneamento e pavimentação, praticamente todas as ruas do bairro Redinha sofrem, a cada periodo de chuvas, muita lama nas ruas, se tornando intransitável, nos periodos de sol o problema é a proliferação de mosquitos.
Algumas casas terminam invadidas por areia deslocada da praia (Foto: Adriano Abreu)
O aposentado José Augusto Dantas, 61 anos, reclama da insegurança do bairro, e pede investimentos básicos como iluminação nas ruas. Morador da Redinha Nova, ele teve a casa arrombada em maio passado. “Levei as gravações das câmeras de segurança para a polícia, mas até agora ninguém foi preso. Aqui a polícia fica em frente ao aquário de Natal durante o dia por causa dos turistas, fora isso é difícil ver policiamento”, disse o morador.
A comerciante Marília Rocha relatou episódios em que a conveniência em que trabalha foi alvo da ação de bandidos. “Durante a madrugada eles arrombaram aqui e elevaram tudo. A resposta que a polícia me deu foi para colocar mais grades e cadeados. Nessa época as coisas estão mais calmas porque mataram um dos bandidos que comandava uma facção, mas daqui a pouco volta tudo de novo”, disse Marília. Ela afirmou que nos finais de semana é comum ver paredões de som nas ruas e casas da Redinha Nova. “A polícia vem as vezes, mas eles aumentam de novo. É um inferno, ninguém dorme”, disse a comerciante. FONTE: Redinha perde moradores e turistas - 07/08/2017 - Notícia - Tribuna do Norte